Investimentos chineses no setor de energia brasileiro e seus impactos político-econômicos

Canal Sul
5 min readNov 17, 2021

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Por: Bruno Alves Martins. Graduando em Direito na FGV Direito SP e pesquisador no Grupo de Estudos em Direito Internacional Econômico.

Revisão: Maria Eugênia Kroetz. Doutoranda em Direito e Desenvolvimento na FGV Direito SP e pesquisadora no Núcleo de Direito Global e Desenvolvimento.

Desde a instauração das Zonas Econômicas Especiais, a China tem apresentado índices de crescimento econômico e industrialização extraordinários, de modo que a instituição financeira JP Morgan aponta que o país se tornará a maior economia do mundo já em 2027. A robusta dinâmica econômica da nação asiática fez com que os investimentos chineses, antes em sua maioria restritos às fronteiras nacionais, se expandissem ao redor do mundo, dominando os continentes asiático e africano, além de também serem presenças significativas em países europeus e latino-americanos. Entre tais países, deve-se salientar o Brasil, que ao longo dos últimos tempos estreitou significativamente suas relações com a China, haja vista que em 2009 a nação asiática suplantou os Estados Unidos e assumiu o posto de maior parceiro comercial da república sul-americana. De acordo com o Governo Federal brasileiro, durante o turbulento ano de 2020, o fluxo de comércio entre as duas nações cresceu 3,8%, com o nível de negociações superando a marca de US $104 bilhões. Dessa forma, a parceria Brasil-China é bastante sólida e só tende a se expandir ao longo das décadas.

O setor brasileiro que mais recebe investimentos chineses é o energético, que, em certas regiões, tem um potencial imensamente subutilizado em razão da falta de recursos financeiros, tecnologia e mão de obra qualificada. No ano de 2015, em meio um caótico cenário de recessão no Brasil, a China Three Gorges comprou duas hidrelétricas (em Salto-GO e Garibaldi-SC) por R$1,75 bilhão, o que saldou as dívidas da companhia de infraestrutura Triunfo, que eram superiores a R$700 milhões, em razão da má gestão das usinas combinada ao péssimo momento vivenciada pela pátria. Após essa transação, a empresa ainda adquiriu hidrelétricas em Ilha Solteira e Japuri, além de todos ativos da Duke Energy nos estados de São Paulo e Paraná, que totalizavam dez usinas e centrais hidrelétricas, negociadas na faixa de US$1,2 bilhão. Pouco depois dessas aquisições, em 2017, Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, afirmou que a China é “o único país do mundo que reúne a disponibilidade financeira e a disposição de investir no risco do Brasil atual”, e discorreu a respeito dos benefícios advindos das aquisições, ressaltando os empregos criados e a geração de riqueza ocasionada pela entrada de capital chinês, que ajudou a estimular a atividade econômica em um período de crise e estagnação,como observado no caso da empresa Triunfo.

Entre todos os benefícios ocasionados pela entrada das verbas chinesas, há um que se sobressai: a possibilidade de aumentar a porcentagem de utilização do potencial hidrelétrico. O diretor de Relações Institucionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Pinguelli Rosa, declarou: “o Brasil dispõe abundantemente de locais inventariados capazes de abrigar usinas hidrelétricas, mas utiliza apenas um terço de seu potencial. Outros países, como os Estados Unidos e os países europeus, utilizam de 70% a 80% desse potencial”. Através dessas palavras, Rosa deixa claro que a subutilização dos recursos nacionais no Brasil é tão grave que mal alcança metade do aproveitamento de potencial europeu e estadunidense. Somando-se a isso o fato de que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),11 milhões de habitantes não possuem acesso à luz, é fácil concluir que o panorama energético hodierno configura-se como um absurdo inaceitável, pois a nação tem os meios para atender a essa necessidade básica da população, mas não possui o dinheiro necessário para adquirir as ferramentas adequadas e fazer o devido uso desses meios. Assim, o capital advindo do país oriental favorece não apenas às atividades econômicas e empresariais ao otimizar a infraestrutura energética nacional, mas também eleva a qualidade de vida e o bem-estar dos social dos cidadãos, os principais beneficiados do aumento da capacidade produtiva das hidrelétricas brasileiras.

Além do massivo investimento em meios de geração energética, com ênfase para a matriz hidrelétrica, as empresas chinesas também fizeram incursões no segmento de transmissão, o que pode ser denotado pela compra da Eletrosul pela Shanghai Electric e Zhejiang (SZE) em 2018. A empresa fará, de maneira fracionada, investimentos da ordem de R$3,96 bilhões em 1,9 mil quilômetros de linhas transmissoras, que passarão por 59 municípios gaúchos afastados dos grandes centros, beneficiarão mais de quatro milhões de cidadãos e gerarão cerca de doze mil empregos. Outra companhia chinesa que está imersa em projetos de transmissão elétrica é a State Grid Corporation, que em 2014 venceu o leilão da linha de Belo Monte e em 2019 iniciou operações para o desenvolvimento de uma linha de transmissão de 2500 quilômetros, transportando energia da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, para várias localidades da região Sudeste do Brasil, com o auxílio de um investimento de R$ 8,5 bilhões da State Grid e R$ 5,2 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Atualmente, em 2021, diante dos avanços de obras e novas aquisições, a State Grid já possui 10 mil quilômetros em linhas de transmissão, o que a posiciona isoladamente como a maior empresa estrangeira desse ramo instalada no território brasileiro.

Além da geração e transmissão, a distribuição é outro subsetor do ramo de energia elétrica, e também há uma relevante participação de capital chinês nessa área. O maior destaque foi a compra da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), concluída em 2020, quando a State Grid comprou 54,64% das ações da empresa paulista por um valor de R$4,5 bilhões, uma compra histórica dada a relevância e tamanho do empreendimento. Por ser a maior distribuidora de eletricidade do país e ter importância estratégica para o estado que é o motor econômico da nação, a negociação da CPFL fortaleceu rumores e provocou abalos políticos, por parte de cidadãos e parlamentares conservadores, de que a China teria intenções não apenas econômicas em suas negociações com o Brasil, mas também políticas e militares, em razão de seu suposto conflito comercial e ideológico com os Estados Unidos. O Presidente da República, Jair Bolsonaro, já havia feito declarações polêmicas com esse teor em 2018, ao dizer que a China queria “comprar o Brasil”, e insinuar que o país oriental tinha objetivos de implantar suas ideologias em terras brasileiras. Entretanto, em 2019, durante visita a Xin Jinping, o presidente brasileiro mudou o tom de seu discurso e inclusive se mostrou disposto a negociar fatias de companhias estatais como Petrobrás, Eletrobrás e Correios. De qualquer modo, os rumores, provocações e declarações políticas são negativas se analisadas por um viés econômico, pois dificultam as tratativas sobre eventuais novas aquisições e fusões, que, na maior parte das vezes, são benéficas tanto para o Brasil como para a China.

Portanto, é evidente que os investimentos chineses no setor brasileiro de energia são numerosos e contam com recursos financeiros significativos, tendo em vista o crescimento econômico sobrecomum do país asiático. É sabido que a existência de infraestrutura eficiente é um requisito básico para o desenvolvimento socioeconômico de qualquer nação, de tal maneira que o Brasil não deve rechaçar o capital chinês em nomes de bandeiras políticas, mas sim buscar meios de tornar a parceria sino-brasileira cada vez mais eficaz e produtiva, sempre visando a soberania de ambos territórios, o bem-estar da população e o crescimento econômico.

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